Saturday, August 15, 2009

Harmonia Insignificante

19-10-2008

"Há uma timidez do mundo exterior, uma estranha hesitação em pôr em contacto com ele aquilo que realmente somos. Assim, gradualmente, tornamo-nos dois - um homem interior, encerrado nos seus sentimentos e pensamentos mais profundos, e - para usar uma linguagem de certo modo excessiva -, afastado da manifestação; e um homem exterior, feito pelas circunstâncias e ocasiões, que , se essas circunstâncias e ocasiões forem opostas à sua natureza interior, será, não só dois homens, mas dois homens opostos um ao outro. A santidade absoluta e a vilania absoluta podem existir no mesmo homem. A firmeza e a inconsequência podem viver lado a lado nele. A mais alta nobreza e a mais ignóbil maldade podem ser irmãs no seu íntimo. Eis por que não imagino apenas que Shakespeare deve ter sido uma pessoa particularmente desinteressante na sua vida privada, ou deve ter acabado os seus dias como usurário; eu devia estar perfeitamente à espera disso, como se tivesse sido provado um facto histórico. A tese de Bacon baseia-se num enorme erro filosófico - a incapacidade de ver que, quanto maior é um homem, mais pequeno ele é; e que não pode haver harmonia exterior a não ser que haja pouca coisa para harmonizar."

Fernando Pessoa

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